Património industrial do Vale do Ruhr: da paisagem industrial a uma paisagem cutural.

Segundo artigo de Marta Margarida Correia (consultar primeiro ensaio):

Património Industrial Vale do Ruhr: da paisagem industrial a uma paisagem cultural.

Palavras-chave: Património Industrial, regeneração urbana, cultura, identidade.

A história da indústria e das tecnologias é uma história feita especialmente de avanços que constantemente canibalizam o passado, no sentido em que é uma história de substituições constantes de práticas, de produtos e técnicas sucedâneas. E neste constante avanço/substituição das tecnologias, e também com o processo de globalização e transição para uma sociedade pósindustrial, houve uma tendência para os complexos industriais se tornarem obsoletos e serem abandonados, esquecidos ou mesmo desmantelados ou destruídos originando por consequência enormes áreas abandonadas nas cidades e regiões urbanas, especialmente a partir da segunda metade do século XX.

Por outro lado, o alargamento, relativamente recente, da noção de património, nomeadamente ao património industrial, levou à tomada de consciência do valor destes locais, paisagens e equipamentos fora de uso. Também este segmento do património, como outros, começa aliás a ser visto como fundamento para novas políticas de desenvolvimento para essas regiões.

Tendo em conta esta tendência, este ensaio pretende abordar a abrangência do património industrial, nomeadamente enquanto elemento de identidade de uma região, e a forma como este conceito pode ser o principal protagonista na mudança estrutural de uma antiga região ou sítio industrial. Servirá de referência o caso do vale do Ruhr, na Alemanha, onde um projecto de regeneração urbana inovador tem vindo a transformar uma das maiores paisagens industriais da Europa numa paisagem cuja actividade se centra na conjugação do património, cultura e turismo, sem perder de vista a imponência do passado.

O património industrial gerou um maior interesse após a Segunda Guerra Mundial, altura em que os países tiveram necessidade de reconstruir grande parte das suas infra-estruturas. Perante um crescimento desenfreado, que ditava a demolição de um grande número de equipamentos, arquitectos, sociólogos, entre outros interessados e entidades começaram a defender o valor histórico e simbólico dos mesmos, reivindicando uma nova disciplina que viria a ser a Arqueologia Industrial. Nas décadas de 1960 e 1970 as questões do património industrial ganharam relevância a nível regional, nacional e mesmo internacional, sendo de destacar a criação e acção do TICCIH (The Internacional Committee for the Conservation of the Industrial Heritage), que ainda hoje continua a ser uma organização que muito contribui para o estudo e discussão deste segmento do património. Mais recentemente, e considerando que a história do património industrial é comum aos países da Europa, entendeu-se que a preservação deste património deveria ser levado a cabo em colaboração e coordenação entre os estados membros. Para encorajar o levantamento, o estudo, a preservação e a promoção desta história comum, enquanto motor de desenvolvimento económico, foi formalizado o projecto European Route for Industrial Heritage (ERIH Interreg II C).

valor histórico e simbólico dos mesmos, reivindicando uma nova disciplina que
viria a ser a Arqueologia Industrial. Nas décadas de 1960 e 1970 as questões
do património industrial ganharam relevância a nível regional, nacional e
mesmo internacional, sendo de destacar a criação e acção do TICCIH (The
Internacional Committee for the Conservation of the Industrial Heritage), que
ainda hoje continua a ser uma organização que muito contribui para o estudo e
discussão deste segmento do património. Mais recentemente, e considerando
que a história do património industrial é comum aos países da Europa,
entendeu-se que a preservação deste património deveria ser levado a cabo
em colaboração e coordenação entre os estados membros. Para encorajar o
levantamento, o estudo, a preservação e a promoção desta história comum,
enquanto motor de desenvolvimento económico, foi formalizado o projecto
European Route for Industrial Heritage (ERIH Interreg II C).
Património industrial, cultural, arquitectónico / estético, ambiental
A noção de património esteve, durante muito tempo, fortemente ligada a
características de monumentalidade, a valores históricos, artísticos, por sua
vez ligados a questões religiosas, políticas ou bélicas. O espírito romântico do
século XIX, que assistiu à instituição da noção de património histórico
tradicional, buscava um espírito grandioso e de celebração, ligado a uma
relação de poder militar ou religioso, e por isso focalizava-se essencialmente
sobre o monumento como o castelo, igreja, catedral, mosteiro, palacio ou
outros dentro dessa linha conceptual.
É com a Carta de Veneza (1964) que se dá este alargamento da noção de
património, para além desta ideia tradicional de “monumento”. E, no que diz
respeito ao Património Industrial, em particular, ele “compreende os vestígios
da cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social,
arquitectónico ou cientí­fico.” (…) “As razões que justificam a protecção do
património industrial decorrem essencialmente do valor universal daquela
característica, e não da singularidade de quaisquer sítios excepcionais.”1
Mas este alargamento do património a elementos mais “banais” e mesmo
imateriais é, ainda, alvo de um certo preconceito, que tende a menosprezar e valor histórico e simbólico dos mesmos, reivindicando uma nova disciplina que viria a ser a Arqueologia Industrial. Nas décadas de 1960 e 1970 as questões do património industrial ganharam relevância a nível regional, nacional e mesmo internacional, sendo de destacar a criação e acção do TICCIH (The Internacional Committee for the Conservation of the Industrial Heritage), que ainda hoje continua a ser uma organização que muito contribui para o estudo e discussão deste segmento do património. Mais recentemente, e considerando que a história do património industrial é comum aos países da Europa, entendeu-se que a preservação deste património deveria ser levado a cabo em colaboração e coordenação entre os estados membros. Para encorajar o levantamento, o estudo, a preservação e a promoção desta história comum, enquanto motor de desenvolvimento económico, foi formalizado o projecto European Route for Industrial Heritage (ERIH Interreg II C).

Património industrial, cultural, arquitectónico / estético, ambiental

A noção de património esteve, durante muito tempo, fortemente ligada a características de monumentalidade, a valores históricos, artísticos, por sua vez ligados a questões religiosas, políticas ou bélicas. O espírito romântico do século XIX, que assistiu à instituição da noção de património histórico tradicional, buscava um espírito grandioso e de celebração, ligado a uma relação de poder militar ou religioso, e por isso focalizava-se essencialmente sobre o monumento como o castelo, igreja, catedral, mosteiro, palacio ou outros dentro dessa linha conceptual.

É com a Carta de Veneza (1964) que se dá este alargamento da noção de património, para além desta ideia tradicional de «monumento». E, no que diz respeito ao Património Industrial, em particular, ele «compreende os vestígios da cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitectónico ou cientí­fico. «As razões que justificam a protecção do património industrial decorrem essencialmente do valor universal daquela característica, e não da singularidade de quaisquer sítios excepcionais.»(1)

Mas este alargamento do património a elementos mais «banais» e mesmo imateriais é, ainda, alvo de um certo preconceito, que tende a menosprezar e desvalorizar, neste caso, o universo industrial, associando-lhe uma imagem negativa, decandente, «pouco nobre». Podemos pensar, por exemplo, nas chaminés que sendo um símbolo, por excelência, da industrialização, acabam por ter uma conotação negativa na actualidade das problemáticas ambientais. Por outro lado, o património industrial é, provavelmente, um dos segmentos do património, que mais tem suscitado um novo tipo de observação e de reflexão, uma vez que, muito para além de constituir um novo tipo de monumento, funciona como âncora de uma envolvência alargada a outros domínios patrimoniais. Independentemente da empatia que se possa, ou não, ter com a aparência de um sítio industrial, o seu valor enquanto património arquitectónico e estético é, provavelmente, aquele que (literalmente) se impõe mais imediatamente. O valor das construções deste período, valem pela apropriação estética bastante vanguardista que se fez dos materiais emergentes no período industrial «como o ferro e o vidro» aplicados a uma Arquitectura Modernista; além dos edifícios mais imponentes, os complexos industriais abrangem outros, como por exemplo os bairros operários (2) onde é possível perceber uma determinada organização social, as condições de vida da época, os costumes e as maneiras de viver e de trabalhar; ainda, longe de se esgotar no seu aspecto exterior, o património industrial comporta um valor histórico e cultural, no sentido em que estes vestígios são autênticos documentos que nos permitem perceber questões tecnológicas e energéticas deste período, assim como a maquinaria e as suas formas de gestão empresarial. No fundo, também um legado de património imaterial, remetendo para os costumes, para os comportamentos, para as acções colectivas duma sociedade que viveu na e da indústria durante cerca de dois séculos; não será demais acrescentar, ainda, o património ambiental, que se estrutura na tessitura dos usos do solo, das águas e de outros recursos naturais. Se, no passado este património sofreu atentados arrasadores, hoje, e no caso do vale do Ruhr, a questão ambiental é um dos princípios orientadores da política de regeneração.

Relativamente a este tema, do planeamento e da regeneração urbana, o fenómeno de alargamento da noção de património tem sido acompanhado por uma crescente preocupação das cidades e regiões pela sua imagem, pela sua economia, pela sua estratégia de posicionamento num mundo globalizado. E, o património, enquanto valor do passado, do presente e do futuro, ganhou um lugar central no que diz respeito às politicas urbanas, pelo facto de ser visto como um motor para novas dinâmicas. Este fenómeno é visível, um pouco por todo o lado, nas políticas de requalificação das áreas urbanas, de revitalização de centros históricos, de refuncionalização de monumentos ou mesmo da apropriação de um património imaterial para fundamento de uma imagem de marca. Senão, como justificar uma crescente corrida aos processos de patrimonialização que se tem vindo a conhecer? A tomada de consciência das potencialidades de uma gestão eficaz do património cria a necessidade do reconhecimento formal desse património, assim como, consequentemente, da sua preservação, conservação, restauro. Neste sentido, a gestão de património tem sido uma área em crescimento, numa lógica de reutilização do património para fins de regeneração urbana. As técnicas e métodos de revitalização do património divergem de acordo com o segmento de património em causa e dos objectivos que os seus «detentores» lhe pretendem atribuir na sua lógica de gestão. De qualquer forma, a perspectiva ideal defendida ultimamente para as estratégias de gestão e dinamização do património, prefere a sua integração num ciclo contínuo de uso, preservando uma imagem viva da região sem cristalizar os elementos da sua história.

O património industrial não é excepção a esta tendência generalizada. Aliás, «a renovação de paisagens industriais e edifícios industriais é hoje uma abordagem recorrente no planeamento urbano, tanto em termos de promoção da sua interpretação como, mais pragmaticamente, para rentabilizar o recursos edificados já existentes.» (ERIH, 2001, tradução própria). Devido às suas características e dimensões, os complexos industriais podem, e têm vindo a alojar praticamente qualquer tipo de actividade, com mais ou menos investimento, dependendo das necessidades de adaptação funcional. Não obstante, é facilmente identificável uma especial tendência para que este tipo de património edificado se converta em espaços culturais (3). Mas, em geral, o que leva a esta tendência do uso do património industrial para a área cultural? A reutilização de monumentos industriais, e de património edificado em geral, no âmbito de uma estratégia urbana cultural, está relacionada com a concepção da própria cultura urbana contemporânea, que tem colocado uma crescente ênfase na arquitectura de prestigio, no design, na criatividade, no estilo (4), na diversidade cosmopolita. Analisar esta opção de reutilizar o património industrial, e outros, para fins de dinamização cultural poderia lançar a discussão sobre a importância da cultura na regeneração urbana tanto ao nível social como económico.

Numa outra perspectiva, para os projectos culturais estes locais são bastante atractivos. Para além das questões de financiamento público das estruturas culturais, que muitas vezes leva a alojá-las, a título de garantir um espaço para o seu funcionamento, em espaços públicos que estejam disponíveis, a verdade é que do ponto de vista funcional, estas instalações de áreas abrem possibilidades de pôr em prática projectos culturais e artísticos de grande aparato técnico e cenográfico. Por outro lado, uma certa nostalgia pelo passado de tal lugar, carregado de história, é muitas vezes o elemento fundamental para a criação de um ambiente e identidade, tão caros a um projecto artístico. No fundo, o lugar onde se instala, confere identidade ao projecto. Aliás, a noção de «espaço alternativo» tem ganho cada vez mais importância, do ponto de vista da concepção artística, na criação contemporânea, quer ao nível das artes plásticas quer das artes performativas. Sharon Zukin escreve, em The Culture of Cities, que «acreditar no crescimento da economia simbólica da arte, representa acreditar na economia da cidade» pois a representação visual torna-se um meio de representação financeira.

No vale do Ruhr, quase ironicamente, a produção industrial dá lugar à produção de imaginários, à produção cultural e ao turismo. De alguma forma, os grandes complexos industriais cujo declínio lançara em crise a região, elevar-se-ia mais tarde, com reconhecido valor patrimonial, como plataforma para a sua própria revitalização.

Da paisagem industrial à paisagem cultural

A região do Ruhr é uma aglomeração metropolitana localizada no oeste da Alemanha com cerca de 5,3 milhões de habitantes e abrangendo uma área de 4.435 km². Foi uma das maiores regiões de indústria pesada da Europa, tendo crescido com base nos recursos de carvão mineral, e a sua economia foi por mais de cento e cinquenta anos exclusivamente caracterizada pelos quatro sectores da indústria pesada: carvão, aço, indústria química e energia. Quando o petróleo natural, o gás natural e o carvão importado com menor custo conquistaram o mercado alemão, e o aço passou a ser produzido no exterior a preços mais baixos, a região entrou em declínio e veio a conhecer graves problemas. Para além das altas taxas de desemprego (5) que a região veio a conhecer, a cessação da indústria privou também estas populações de uma parte da sua identidade, dos hábitos que construíram a sua cultura ao longo de gerações. Dada a escala da degradação ambiental e económica, bem como o aumento do número de propriedades abandonadas industriais com diferentes níveis de contaminação do solo, cedo se percebeu que não se poderiam aplicar princípios tradicionais de reordenamento urbano. O sucesso da revitalização do vale do Ruhr e dos seus abundantes complexos industriais exigiu um plano inovador que passava por estimular projectos de reabilitação urbana individuais no âmbito de uma estratégia do planeamento regional.

A mudança estrutural foi então feita através de vários masterplans concebidos com base na revitalização e refuncionalização do patrimonio industrial: O processo de revitalização desta área iniciou-se com a criação do IBA (International Building Exhibition) – Emscher Park (6), que funcionaria como uma entidade de planeamento regional, em colaboração com 17 cidades. Ao nível programático o IBA teria a missão de preservar e promover a reutilização dos complexos industriais abandonados, no âmbito de uma rede regional, e requalificar as áreas livres utilizando princípios de planeamento ecológico. Do ponto de vista funcional, propôs-se trabalhar com as empresas privadas, governo local, e com a comunidade civil. Este projecto de regeneração urbana iniciou-se em 1989, com um prazo de 10 anos e, tinha portanto o objectivo de enfrentar os complexos desafios dos danos ambientais e simultaneamente projectar o futuro das comunidades urbanas do vale do Ruhr e do Rio Emscher.

Um dos maiores desafios deste projecto foi, logo à partida, o que fazer com todos os enormes complexos industriais, uma vez que desmantelá-los custaria cinco vezes mais do que mantê-los (7). O plano de regeneração urbana do Ruhr partiu logo de iní­cio com um objectivo ligado ao desenvolvimento da actividade cultural, preservando os monumentos industriais e transformando-os em espaços culturais mas também para a arte e design, e também as áreas livres em espaços para usos culturais, artísticos, turísticos e de lazer. Além disso, este projecto apostou, desde logo, no design e arquitectura como componentes essenciais desta regeneração. Rem Koolhaas e Norman Foster são alguns dos mestres que participaram nos projectos de adaptação dos monumentos industriais.

A título de ilustrar vários tipos de dinamização que têm sido aplicados em diferentes monumentos industriais, destacam-se três pontos «âncora» da Route of Industrial Culture, percurso temático turístico desenvolvido pela Regional Association of the Ruhr, ligando os principais monumentos industriais da região, e também integrado nos percusos europeus da ERIH: o complexo industrial da Mina Zollverein (8), em Essen, abrange várias infra-estruturas de uma histórica mina de carvão, onde se encontram construções notáveis do ponto de vista arquitectónico. Este complexo mineiro foi considerado monumento industrial excepcional e elevado a Património Cultural Mundial pela UNESCO, em 2001, em virtude da sua construção ser um exemplo notável de aplicação de conceitos do Movimento Modernista na arquitectura, num contexto industrial. Este reconhecimento teve também em consideração que as estruturas tecnológicas deste complexo evidenciam a evolução, o poder e o declínio de uma actividade industrial crucial da História, relativo ao desenvolvimento da indústria pesada na Europa. Hoje, o complexo Zollverein aloja o museu temático (Zollverein Museum) onde os visitantes tomam conhecimento do que era o funcionamento da mina entre 1932 and 1986, através da exposição de objectos e maquinaria, de reconstituições de época em multimedia, e outros; outra parte dá lugar ao maior museu de design do mundo, o Red Dot Design Museum, e aloja ainda o Centro de Dança Contemporânea PACT Zollverein; O Gasómetro Oberhausen (9) foi transformado numa das maiores salas de exposição e espectáculos da Europa; e o Nord-Duisburg Landscape Park (10), em Duisboug, as fábricas Thyssen e respectiva área circundante de cerca de 200 hectares, deram lugar a um parque multifuncional com uma torre panorâmica, projectado pelo arquitecto paisagista Peter Latz. Aqui, Neste projecto paisagístico, a vegetação é também instrumento de um programa de tratamento de depuração e oxigenação das águas do rio, tendo por isso uma componente activa de preservação ambiental.

Actualmente, outro projecto se alicerça nesta paisagem com alta concentração de monumentos industriais/culturais: Essen – Capital Europeia da Cultura 2010, cujo projecto irá continuar a desenvolver a promoção da região de forma abrangente e integrada. O consumo cultural (11) e o turismo industrial são pilares da politica de reutilização e refuncionalização do património industrial do vale do Ruhr, mas também as tecnologias de informação, a comunicação, o design e a investigação ocupam hoje uma importante parcela na mudança económica e social desta região, sendo de considerar a fundação das Universidades de Bochum, de Dortmund, e as Universidades Integradas de Essen e Duisburg.

No que diz respeito ao turismo industrial, muitos estudos e abordagens têm apontado esta actividade como uma solução para o crescimento económico e sustentável das regiões industriais e mineiras. Mas, no plano deste ensaio, mais do que discutir a potencialidade ou a compatibilidade do turismo sobre o património industrial interessa pensar sobre a reapropriação de uma nova paisagem, as mudanças que a reinvenção de uma cultura e de uma paisagem produzem sobre os seus habitantes, muitos deles, antigos mineiros e operários da antiga realidade. A reinvenção do passado pode facilmente cair numa apropriação absurda dos elementos históricos, especialmente quando objectivos eminentemente comerciais e turísticos se impõem. Em Bochum, o Museu Alemão da Indústria Mineira pode ser local para casamentos e, na sua boutique vendem-se sabões rústicos e camisas de noite listadas, que antigamente eram distribuídos aos mineiros… interessa também definir os princípios de autenticidade deste patrimómio. Como recuperar ou encenar adequadamente o passado.

Mais de 150 anos de industrialização marcaram fisicamente a paisagem desta região: minas, fábricas, fundições, bairros operários e outros elementos são hoje importantes «relíquias» da antiga cultura industrial. Voltando à definição de património industrial da Carta de Nizhny Tagil, «o património industrial vale essencialmente pelo meio em que se insere, pela paisagem em que se revela como ícone, pelas relações que estabelece com o espaço e as memórias». Em What time is this place? (1972), Kevin Lynch escreveu sobre os conceitos de Espaço e Tempo, e sobre a sua relação na mudança de paisagens e de cidades. Estes parecem ser também os conceitos aplicáveis neste caso. A discussão sobre a gestão do património e a decisão sobre a sua reutilização, está sujeita aos conceitos éticos do presente. Por exemplo, podemos enaltecer a arquitectura magnificiente dos complexos industriais mas não aceitaríamos o seu funcionamento pouco ou nada ecológico. Podemos querer fazer reviver o universo da extracção mineira, mas não aceitaríamos as condições de trabalho praticadas na época. Não obstante a história da cultura industrial ser sinónimo de poluição e péssimas condições de trabalho, a sua actual reinvenção é sinónimo de ecologia, bem-estar social e desenvolvimento sustentável.

Que identidade se constrói em torno deste património? O posicionamento mais recente do conceito de património aponta para os espaços de vivência colectiva, de forma que cada um sinta em si próprio o fio da história e um vínculo de cidadania partilhada, ou seja, um sentimento de identidade. Mas no fundo, a gestão deste património industrial depara-se com um jogo de duas identidades temporais. A identidade do passado e a da actualidade. Mas a identidade não é um adereço alternativo, como uma peça de roupa que se troca a cada momento. Teremos, no entanto, hoje, mais noção do que é ter uma identidade e da possibilidade de a «escolher». Quando falamos em manter a identidade cultural de um determinado património, apagamos imediatamente aquilo que não interessa aos cânones actuais. Trata-se afinal de tentar encontrar uma nova identidade, uma nova dinâmica, sem apagar a memória histórica deste património. O actual projecto para a Essen – Capital Europeia da Cultura 2010 (12), demonstra bastante bem a importância económica e cultural da preservação do património industrial no vale do Ruhr, na actual politica de desenvolvimento e promoção da região enquanto um dos maiores palcos culturais da Europa. Os próprios monumentos assim o reivindicam: No future without the past é um slogan anunciado na Fundação Zollverein. É essa, afinal, a sua condição.

Marta Margarida Correia

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Notas:

(1) Carta de Nizhny Tagil sobre o Património Industrial, TICCIH, 2003

(2) No antigo complexo fabril Vista Alegre em ͍lhavo, por exemplo, ainda é possível encontrar as construções do bairro operário, o Teatro construído para fins recreativo dessa comunidade, a Capela religiosa da mesma comunidade, a Escola e outras infra-estruturas que permitem conhecer um pouco da vivência em torno dessa realidade industrial.

(3) Alguns exemplos em Portugal: Antiga Companhia de Moagens Aveirense é actualmente A Fábrica de Ciência Viva; A Moagem no Fundão é espaço de criação e acolhimento artístico; uma antiga fábrica deÂcerveja é hoje Centro de Arte Contemporânea no Algarve.

(4) Um exemplo nesta relação de estética/estrutura e cultura, é o Centro Pompidou, em Paris, desenhado por Renzo Piano e Richard Rogers, aberto desde 77 e que, apesar de não ser um monumento industrial, foi construído propositadamente sob esse conceito estético, em contraste com a restante construção do local onde se insere, e com o objectivo de ser um centro cultural para o grande público.

(5) O declínio da actividade industrial no Ruhr levou ao aumento da taxa de desemprego na década de 1970, chegando, entre os anos de 1980 a 2002, a quase meio milhão de desempregados no sector de produção; por outro lado, esta região tem assistido a uma mudança estrutural, tendo sido criados cerca de 300 000 empregos no sector de serviços.

(6) http://www.epa.gov/swerosps/bf/partners/emscher.html

(7) De acordo com um relatório do Programa IBA Emscher Park, foram investidos na região cerca de 2,5 mil milhões de euros de modo a conferir uma nova utilização, como monumentos industriais, a indústrias já encerradas.

(8) http://www.zeche-zollverein.de/Englische%20Version/index2.htm

(9) http://www.gasometer.de/en_GB/

(10) http://www.landschaftspark.de/en/home/index.php

(11) Outros indicadores da actividade cultural no Ruhr: Museus Técnicos Industriais como o Bergbaumuseum (museu de minas), em Bochum, e o Museum Deutsche Binnenschifffahrt (museu alemão de passeio fluvial), em Duisburg; Museus de Arte, como o Museum Folkwang, em Essen, e o Lehmbruck-Museum, em Duisburg; Na cena teatral e musical, os equipamentos mais conhecidos são o Grillo, em Essen, e a Casa de Espectáculos Bochum, o Teatro Musical, no Distrito de Gelsenkirchen, a famosa Deutsche Oper am Rhein (Ópera Alemã do rio Reno), em Duisburg e a Casa de Concertos Dortmund; O Triénio Ruhr, o Festival do Ruhr e outros eventos regionais indicam também uma cena cultural bastante activa na região.

(12) Apresentação do programa no sítio oficial: http://www.ruhrgebiettouristik.de/index.php?LA=en e em http://www2.kulturhauptstadt-europa.de/en

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Bibliografia

. Ashworth, Gregory, Howard, Peter (1999) European Heritage Planning and Management, Intellect Books

. Bodurow, Constance C., A Vehicle for Conserving and Interpreting Our Recent Industrial Heritage, The George Wright Forum

. Choay, Françoise (2000) A Alegoria do Património, Edições 70

. Featherstone, Mike, (1995) Cultura de Consumo e Pós-Modernismo, StudioNobel

. Jeudy, Henry-Pierre (2001), La machinerie patrimoniale. Sens & Tonka

. Mendes, José Amado (2000) Uma nova perspectiva sobre o Património Cultural: Preservação e requalificação de instalações Industriais

. Zukin, Sharon, The Cultures of Cities, Cambridge 1995

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3 respostas a Património industrial do Vale do Ruhr: da paisagem industrial a uma paisagem cutural.

  1. gertrudis diz:

    A vegetação, como um todo, tem sido de grande importância na melhoria das condições de vida nos centros urbanos. Com o crescimento populacional das cidades, depara-se com a falta de um planejamento urbano.

    O clima urbano difere consideravelmente do ambiente natural. A amplitude térmica, o regime pluviométrico, o balanço hídrico, a umidade do ar, a ocorrência de geadas, granizos e vendavais precisam ser considerados.

    Os solos, por sua vez, responsáveis pelo suporte físico das árvores e pelo substrato nutritivo do qual depende seu desenvolvimento, apresentam-se compactados nas cidades devido ao grande número de pavimentações que não permitem o escoamento das águas. Resíduos sólidos, despejos residenciais e industriais poluem e comprometem o solo urbano.

    Quanto à qualidade do ar, esta fica comprometida pela combustão de veículos automotores e pela emissão de poluentes advindos de atividades industriais.

  2. Leonardo diz:

    gostaria que este trabalho fosse modificado

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